Programa Carta da Terra em Ação

Publicado às 13:02 por Carta da Terra em Ação
A participante do curso Vivências em Permacultura Urbana, Paola Gemente, fez um relato poético afetivo sobre a experiência do segundo encontro (30/09) na Associação Comunitária de Vila Nova Esperança, extremo oeste de São Paulo. 

O curso propõe, com base na aprendizagem ativa, vivências em permacultura urbana em territórios periféricos da cidade e, como disse Paola,  "faz querer agregar, aprender e trocar, numa palavra: colaborar."

Uma vila chama Nova Esperança 

Sábado seria o segundo dia de nossa vivência em permacultura urbana.  A previsão do tempo tentou, mas não conseguiu abalar a expectativa.
Na véspera, não quis ser a estraga prazeres de questionar “Se amanhecer chovendo, haverá atividade?”.  Resolvi não por o carro adiante dos bois e, simplesmente, aguardar o amanhecer.
Horta da Comunidade Vila Nova Esperança, extremo oeste de São Paulo.
Foto: Rodrigo Calisto
Manhã fresca, luz difusa, dia tranquilo.  Pra começar, suco verde com o restinho de cada fruta e verdura da geladeira (no espírito da sustentabilidade).  Caronas no carro e pé na estrada.
São Paulo acabou aqui?  Já é Taboão?  Quais os limites dessa cidade?  Que importa? A terra é uma só.  E estávamos pisando num pedacinho especial.
Recepção calorosa naquele espaço idílico.  Em minutos, sentíamo-nos em casa.  Mesa posta pro café, com fruta, bolo, pão e chá de cidreira.  Cada qual carregou pra lá sua cadeira.

Dona Lia abrevia a comilança com voz firme de chamado a que viemos, contando-nos quem era e onde estávamos.  Tornou-se líder por incumbência divina, driblando covardia e subserviência a quem manda comprar o que não tem preço.

A comunidade, que não era unida, dali se apoderou com anos de luta.  Quem ficou se beneficiou de liberdade e autonomia, embora nem todos ainda assumam essa imensa responsabilidade por suas vidas.  Tudo vem a seu tempo e Dona Lia observa, trabalha e agradece os milagres cotidianos.  Valoriza a si e aos companheiros de jornada.
Vista da Comunidade Vila Nova Esperança. Foto: Paola Gemente

Disse que éramos anjos, mal sabendo que ela nos trazia a revelação.
Olhando, dali do alto, a cidade ao longe, cercada de verde e de flores, e entre elas alguns telhados, percebemos que não há distância que resista à vontade.  O terreno sujo, entulhado, abandonado, hoje vive, alimenta e ensina. 
Penso que, ao construir com as mãos o que não existia, a horta, o viveiro e as paredes ficam impregnados do sentimento que compartilham e esse magnetismo atrai a continuidade do sonho coletivo.  Cada um que chega contribui de alguma forma, instruídos pela sabedoria de quem vive essa realidade, intuídos pelo que nos une e faz pertencer a um só chão.

Nem o vento, nem a garoa abreviaram a missão.  Terra boa nos canteiros, novas mudas plantadas, barro pisado e parede de taipa erguida com muitas mãos.  Comida de chef pra um batalhão esfomeado, feita com gosto e união no tão sonhado fogão.

As lições que aprendemos não são somente técnicas, mas, sobretudo, existenciais. 
Há algumas formas de se fazer uma horta, uma biblioteca, uma cozinha, uma praça, vila ou casa.  Uma construção coletiva é como um corpo com alma: tem vida, cor e temperatura.
Diz dona Lia que a liga e o adubo são o Amor.  E nós acreditamos, porque sentimos.
Estrutura de bambu e barro construída pelos participantes do curso e Dona Lia, líder da comunidade.
Foto: Rodrigo Calisto

Ali o sonho pulsa e esse som nos acompanha, faz querer voltar e agregar, aprender e trocar, numa palavra: colaborar.  Ensina-nos grande lição de sobrevivência e maior de resiliência.
A força imperiosa que nos repele e oprime é o que impulsiona essa reaproximação. O vazio de integração que sentimos é equivalente à aridez que ainda resta pelos cantos da cidade.  Uma força de atração impele à mudança, a encurtar as distâncias, a buscar a integração e harmonia.


Dona Lia apresentando a horta aos participantes.
Foto: Rodrigo Calisto
Após o trabalho e o banquete ofertado, Dona Lia confessou que encontra menos resistência entre as crianças e que sonha mostrar às mulheres da comunidade o quanto são capazes de realizar por si mesmas.  Ainda há terreno a ser arado e muitas sementes a espalhar.

As comunidades esperam por braços, mentes e corações abertos ao trabalho de transformar.

São Paulo, 02 de Outubro de 2017

Paola Gemente Di Sessa
Arquiteta e Urbanista (FAU-USP)

(11) 991284864